O discurso anticorrupção não encanta mais!

André Crevi
4 min readOct 7, 2021

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Assim como no conto do Flautista de Hamelin os ratos se afogaram.

O conto folclórico reescrito pelos Irmãos Grimm, conta que em 1284 a cidade de Hamelin na Alemanha estava sofrendo com uma infestação de ratos. E um dia, chega à cidade um homem que reivindica ser um “caçador de ratos” dizendo ter a solução para o problema. Prometeram-lhe um bom pagamento em troca dos ratos — uma moeda pela cabeça de cada um. O homem aceitou o acordo, pegou uma flauta e hipnotizou os ratos, afogando-os no Rio Weser.

Voltando para o século 21, o tema político que nos trouxe ao Bolsonarismo foi o discurso anticorrupção, na visão deles, perpetrado pelos anos do PT e partidos de centro-esquerda no Brasil. Aliado com a operação lava-jato e junto com o ex-juiz Sergio Moro o discurso obteve mais força e argumentos para que se fosse feita uma mudança drástica na política brasileira, retirar de uma vez por todas os ratos do establishment do centro do poder e assim tivemos uma revolução da extrema-direita pelo país dragando quase todos os espectros da sociedade e minando qualquer conversa progressista.

E assim, até ex-eleitores do PT, centro-direita e moderados contrataram o mítico flautista de Brasília para expulsar os ratos que atravancaram o país, prometendo uma nova onda e decência na política brasileira.

Expulsando ratos do establishment do centro do poder

E a partir de 2019 começou o processo de limpeza e encantamento para levar os ratos e finalmente afogá-los no Rio Wesser, mas nesse caso poderíamos trocar pelo Lago Paranoá. Mas com o passar do tempo algumas pessoas notaram que o encantamento não funcionava tanto assim, afinal havia provas de que o próprio flautista estava envolvidos com ratos milicianos, rachadinhas, cheques duvidosos e mais; aliando-se com ratos mais perigosos para chamá-los na capital!

As pessoas começaram a se cansar e ver que o trabalho do flautista, seja quem for não é tão eficiente assim. Inclusive um dos ajudantes do mítico flautista, o poderoso ex-juiz, herói e algoz da Operação Lava Jato, foi abandonado e afogado sem os ratos. Um pesquisa do Ipesp mostra que, entre janeiro de 2020 e agosto de 2021, o ex-juiz perdeu 50% das intenções de voto para a Presidência da República.

Sinais de que a população já não acredita mais em discursos de anticorrupção

Imagem: Daniel Castelo Branco/Agência o Dia/Estadão Conteúdo e Roberto Sungi/Futura Press//Estadão Conteúdo

Os últimos acontecimentos políticos giram em torno de manifestações polarizadas e na contagem de seus integrantes, assim como no futebol, quem tem a maior torcida leva a narrativa do já ganhou, mesmo sabendo que quem ganha de verdade são os times e a comissão técnica, ficando a torcida apenas com o ônus do ingresso para o jogo, engarrafamentos e brigas de torcida. Mas nota-se que as torcidas vem diminuindo em ambos os lados, mas isso não quer dizer que as pessoas não apoiam esse ou aquele, mas que já estão cansadas da mobilização e as coisas continuarem como estão.

Um estudo da Ipsos Global Advisor intitulado “O Sentimento do Sistema Roto 2021” — abrangeu 25 países. Colômbia, Brasil e Peru e destaca-se que a corrupção percebida se enlaça fortemente com a sensação de que o sistema político se rompeu e não funciona mais para os cidadãos. As pessoas estão tendo certeza de que política e a corrupção são emparelhadas e isso já é disseminado entre os brasileiros, esses anos após 2013 só reforçou mais ainda essa percepção de que a economia funciona apenas para o benefício dos mais ricos e de que os políticos não se importam para com o povo, alimenta-se apenas a esperança de uma solução personificada num líder forte e populista, apenas isso.

Se o discurso anticorrupção foi mais um balde de água fria nos brasileiros isso veremos em 2022, mas para podermos ter uma ideia do final dessa história, assim como na cidade de Hamelin, apesar de obter sucesso, o povo da cidade recusou-se a pagar o “caçador de ratos”, afirmando que ele não havia apresentado as cabeças. O homem deixou a cidade, mas retornou várias semanas depois e, enquanto os habitantes estavam na igreja, tocou novamente sua flauta, atraindo desta vez as crianças de Hamelin. Cento e trinta meninos e meninas seguiram-no para fora da cidade, onde foram enfeitiçados e trancados em uma caverna. Na cidade, só ficaram opulentos habitantes e repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza.

E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.

Por aqui nosso pagamento tem que ser com o povo brasileiro, deixamos de pagar a dívida com nós mesmos. Em vez de cobrá-los, sermos críticos acabamos reforçando narrativas ou ao mesmo ‘passando o pano’ para as atrocidades e mentiras veladas contada pelo flautista mítico. E se não o fizermos a tempo poderemos ter o mesmo triste fim dos habitantes da cidade de Hamelin.

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Written by André Crevi

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