Políticas do design: Um guia (não tão) global de comunicação visual
Resumo do livro de Ruben Pater
Apesar desse título de Políticas do design, o livro não é sobre designers engajados com ativismo, mesmo que ainda muitos confundam que apenas parar de usar imagens racistas e machistas sejam vistas como um certo tipo ativismo. O livro também não é sobre design de propaganda política ou de partidos, mas reconhece que todo design é político. Todo design ‘serve ou subverte o status quo, argumento feito por Tony Fry, teórico e filósofo do design.
E mesmo em um cenário cada vez mais polarizado, algumas pessoas dizem ter liberdade para ficarem fora da política, como se houvesse uma terra mágica por onde fosse possível fugir sem sofrer o peso da opressão que se configura na democracia atual.
Não se trata apenas do design que podemos criar, e sim das decisões éticas a respeito do que comemos, dizemos e consumimos que define a realidade política que habitamos. Um projeto não pode ser desconectado dos valores e conceitos que o trouxeram à realidade, existe sempre uma relação entre a comunicação visual e a ideologia, como pontua o autor, afinal ela já está mais do que naturalizada.
O impacto da comunicação visual cresceu exponencialmente através da internet e nas redes sociais, algo que foi idealizado para diversão, pode ser utilizado para provocar protestos e opiniões virulentas em uma parte do mundo. A comunicação foi e é um processo volátil, dado que é impossível evitar erros de interpretação. Nos mal-entendidos está a suposição de que qualquer pessoa possa compreender de forma universal e objetiva, e essas suposições estão intimamente ligadas aos princípios do design modernista ensinados no Ocidente, algo que o autor busca contestar no livro.
Como o design pode ser estereotipado.
Um dos exemplos citados no livro é a tipografia étnica, afinal os estereótipos impedem que o público possa ver as representações de minorias tratadas com o mesmo respeito que as culturas dominantes. A fonte Neuland desenvolvida por Rudolf kooch em 1923, foi usada como um clique tipográfico para textos e publicações afro-americana, antropologia africana e marketing exótico / de aventuras para filmes como Rei Leão, Tarzan, Jumanji, além disso, esse estilo foi usado para produtos ‘populares’ como tabacos e propagandas de circo, estas últimas se valiam das associações com o exotismo e a aventura, e graças a isso, se tornou o estereótipo do design de produtos para o mercado afro-americano e para representação dessa cultura até boa parte da década de 1990.
A caixa-alta
É curioso que apenas os alfabetos latino, grego e cirílico usem caixa-alta e caixa-baixa. A maioria utiliza apenas uma versão. Ter dois alfabetos permitiu discriminar e criar sistemas hierárquicos, isso fica claro como algumas palavras e nomes são escritos com maiúsculas. As relações de poder e as relações humanas podem ser julgadas valendo-se da caixa-alta. Para o professor László Moholy-Nagy da Bauhaus, notória escola de design, as letras maiúsculas eram associadas ao poder e autoridade. Na época colonial, a ‘raça branca’ recebia maiúscula e a ‘negra’ era escrita com minúscula, títulos como Rei, Lorde, Presidente, Papa e Imperador recebiam o mesmo gesto escritural, e o mesmo poder da letra maiúscula ainda vigora em títulos como Bacharel, Mestre ou Doutor (Ph.D.)
A caixa-baixa para desafiar a estrutura normativa
Um dos exemplos mais proeminentes é bel hooks, autora, ativista e feminista americana que escolheu adotar o nome da avó escrito apenas em minúsculas. Ao romper com a convenção patriarcal da linguagem, ela afirmou que é a ‘substância de seus livros, e não quem eu sou’ que deve ser enfatizada em seu nome e trabalho.
Nomes de projetos para todas as culturas
Alguns projetos já nascem com a tradução fracassada quando não levam em consideração a culturalidade diversificada existente, um exemplo é o modelo de carro japonês da Mazda, chamado de Laputa, mesmo tendo seu nome extraído do romance As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, ninguém ficou surpreso com o fato de que o carro não vendeu muito bem nos países de língua espanhola deixando de ser fabricado em 2006. O Mitsubishi Pajero, lançado em 1982 é vendido até hoje, mas seu nome é uma gíria que significa ‘masturbador’ ou punheteiro em espanhol, quando a empresa descobriu o nome foi mudado para Montero na Espanha, índia e Américas, outros países ainda usam o nome original. O Nike Air Grill, que possuem um logo estilo flamejante do Nike Air era muito similar à palavra Alá em escrita árabe (الله) ocasionando uma enxurrada de reclamações da comunidade muçulmana. A Nike fez um recall de 800 mil tênis e emitiu um pedido de desculpas e inaugurou um comitê de controle para prevenir problemas similares no futuro.
Design de Bomba x Comida
Em 2001 os EUA jogaram bombas de fragmentação no Afeganistão na guerra contra o Talibã, uma a cada dez unidades não explodiu, tornando uma ameaça às pessoas no solo. Ao mesmo tempo eles jogaram alimentos em embalagens da mesma cor e com as mesmas tipografias utilizadas nas bombas, o governo se deu conta do equívoco e mudou a cor das refeições para rosa. Eles entregaram panfletos explicando a diferença, mas antes disso mais de 1 milhão de refeições com a tipografia similar a bomba já haviam sido jogadas.
A psicologia das cores
O mais conhecido teste de psicologia das cores conduzido por Max Lüscher, provou-se que de fato a psicologia das cores funcionavam, as mais frias poderiam acalmar as pessoas, e é por isso que hospitais e cadeias muitas vezes são pintados com um rosa esverdeado suave. Outra pesquisa mostrou que a cor dos comprimidos placebos influência na sua eficácia, azuis funcionam melhor como depressores e vermelhos, como estimulantes.
Rosa de menina e Azul para Menino.
No século XIX garotas e garotos usavam o branco porque era mais fácil de lavar. Depois da primeira guerra mundial, as lojas de departamento perceberam que poderiam ganhar mais dinheiro se os produtos de bebê fossem específicos para cada gênero, os tons pastel estavam na moda, mas se decidiu que o cor-de-rosa seriam para as meninas e azul para os meninos.
Diferenças culturais
Comunicar com diferentes culturas e evitar equívocos é uma tarefa complexa e que exige compreensão dos designers, ao mesmo tempo que as sociedade estão se tornando diversas culturalmente; os profissionais da área não podem assumir que o seu público compartilha os mesmos valores e linguagem visual. Um exemplo é a convenção de que a uma imagem e um texto trabalham juntos para formar a mensagem, leitores que não estão familiarizados com essa convenção podem fazer uma interpretação equivocada, pois ler apenas o texto ou apenas imagem não é suficiente, ambos precisam ser lidos e mesclados para que a mensagem seja compreendida, a alfabetização visual influencia na comunicação.
Em design, escrita, pesquisa; A escrita no design gráfico, Ellen Lupton e Abbott Muller menciona a pesquisa de Alexander Luria, psicólogo russo em 1931, no qual ele pegou desenhos de um círculo, triângulo e um quadrado e mostrou a moradores de vilarejos remotos do Uzbequistão e do Quirguistão, enquanto os alfabetizados identificavam as formas abstratas como geométricas, os iletrados viam o círculo como um prato, ou um balde ou a lua. O quadrado poderia ser uma porta, espelho ou uma casa.
Algumas culturas tentam se sobrepor sobre outras através dos símbolos, imagens, retratos e expressões visuais. Alguns críticos culturais defendem que até personagens da Disney, como o Pato Donald, Zé Carioca e Mickey, foram usados na América Latina com objetivos colonialistas, a ideia é que esses personagens inocentes pudessem assimilar de forma inconsciente os ideais políticos dos Estados Unidos.
Um outro exemplo são os ícones de representação, homens geralmente são retratados como médicos e as mulheres como enfermeiras. Quando a designer Caitlin Winner começou a trabalhar no Facebook, ela notou que os ícones de ‘amigos’ mostravam um homem na frente, com outro homem e uma mulher atrás. Ela disse: A mulher está literalmente à sombra do homem, ela não está numa posição da qual pode se destacar, ela tomou para si a tarefa de desenvolver ícones com gênero neutro e estes foram adotados como o novo padrão na plataforma.
O antropólogo Franz Boas questionou essa ideia evolucionária de cultura, ele argumentava que não existe um processo de direção a um estágio ‘mais elevado’ afinal as culturas não podem ser julgadas de forma objetiva, pois sempre a vemos das lentes da nossa própria.
Sobre o autor do livro:
Ruben Pater é um designer holandês baseado em Amsterdã — tem a missão de criar narrativas visuais sobre questões políticas complexas. Ao traduzir visualmente histórias não contadas por serem sensíveis ou não lucrativas, Ruben Pater visa ativar o interesse público. Como ‘histórias não contadas’ seus projetos criam novas relações entre jornalismo e design. Seu ‘Guia de sobrevivência para drones’ recebeu grande atenção em 2013 como uma ferramenta educacional sobre drones, funcionando como uma declaração política. Outros projetos são ‘o primeiro manual holandês de inundação’ (2011), uma pesquisa sobre comunicação de desastres em tempos de mudança climática, e ‘Double Standards’ (2012), uma pesquisa sobre comércio marítimo e pirataria somali.
Ele estudou design gráfico em Breda e, mais tarde, no programa de mestrado em design gráfico do Instituto Sandberg em Amsterdã. Ele leciona no departamento de comunicação da Design Academy em Eindhoven. Em 2016, sua publicação Politics of design, um (nem tanto) manual global de comunicação visual foi publicado pela Editora BIS na Holanda. Atualmente ele está trabalhando em um projeto de jornalismo cidadão em países com censura e em uma série de quebra-cabeças educacionais sobre os vazamentos da NSA para o próximo jornal holandês NRC.