Socialismo Liberal, resumo do livro de Carlo Rosselli.
A ideia social-democrata é rica e complexa em suas variantes, em toda sua trajetória até hoje, tem dado importantes contribuições para a vida humana. Mas ainda possui um enorme potencial a ser explorado. Dentro dessas correntes ideológicas da social democracia, do socialismo democrático, do trabalhismo e o socialismo liberal, esta última, razão do resumo do livro e a obra de Carlos Rosseli, nascido em 1899 e assassinado aos 38 anos de idade em 1937 a mando de Fascistas. Rosseli, desenvolveu uma teoria reformista não-marxista, um socialismo inspirado no movimento trabalhista britânico, que descreveu como o socialismo liberal. Carlos Rosseli também foi um líder político italiano, jornalista, historiador, filósofo e fundador do movimento antifascista “ Giustizia e Libertà “, que posteriormente se uniu a Concentração Antifascista Italiana, uma união de todas as forças antifascistas não-comunistas (republicanas, socialistas e nacionalistas) que tentavam promover e coordenar as ações de expatriados para lutar contra o fascismo na Itália.
A obra do autor está dominada por uma tese fundamental: o marxismo e liberalismo são incompatíveis, e, por conseguinte, inconciliáveis.
Para os estudiosos da obra e que também compõem o prefácio do livro, Luiz Carlos Bresser de Pereira e a introdução feita por Norberto Bobbio, Marx tem da história uma concepção determinista, que não deixa lugar para a vontade humana, de indivíduos ou grupos organizados ou só lhe deixa um espaço limitadíssimo, mais por razões de propaganda política do que por razão científica.
Mas é uma realidade que certas verdades descobertas por Karl Marx em sua obra se tornaram patrimônio comum, tais como a importância preeminente das forças econômicas, os vínculos estreitos entre o sistema produtivo e as relações sociais, a realidade da luta de classes e a formulação das ideologias com base nos interesses de classe. Contudo, justamente porque se tornaram patrimônio comum essas ideias não são nem proletárias e nem burguesas, e também não se constituem mais como um monopólio do movimento socialista.
Mas ainda sim, o revisionismo ad aeternum da obra marxista pode ser interpretado como forma de adaptar o sistema do programa à realidade que se apresenta diante dos fatos, assim como acontece com a religião e os seus dogmas. Há tantos marxismos, e tão diversos entre si que não se compreende bem como podem pertencer ao mesmo tronco, como podem ser folhas do mesmo ramo. Com eles nasceu uma torre de Babel, que permitiu a teses e correntes contraditórias, apresentarem com a paternidade ilustre de Marx, alimentando uma polêmica sobre o revisionismo de sua obra: precisamos de uma visão a mais ou a superação completa de certos dogmas marxistas?
É incrível o temor que domina a maioria dos socialistas diante da hipótese de um eventual e claro afastamento da tradição marxista; a sabotagem mais ou menos consciente de qualquer corrente não-marxista, por mais temida que seja. Marx é Tabu. Quanto menos se falar sobre ele melhor. É preciso confiar na prática, mestra da vida e seguir adiante. A mente socialista oscila entre a ortodoxia formal e o empirismo de chão. Para os socialistas, o verdadeiro problema não consiste em renegar Marx, mas em emancipar-se dele. Aceitar o que há de vital no marxismo e rejeitar, abertamente, definitivamente, o que existe nele de errôneo, utópico, contingente e incerto.
Tendo em vista a crítica do autor e as contas acertadas com o Marxismo em boa parte do livro, ele vê a interpretação à sua época, que a visão liberal é a aliada e principalmente a verdadeira a herança para um futuro socialista. No método liberal, Rosseli se refere ao que se conhece hoje como o método democrático, onde no jogo todas as partes se empenham em respeitar regras que se destinam a assegurar a convivência pacífica dos cidadãos, das classes, dos Estados, a manter as disputas, fatais e até mesmo desejáveis, dentro de limites toleráveis; a permitir a sucessão dos vários partidos no poder; e a canalizar na legalidade as forças inovadoras, à medida que essas surgem no jogo.
Já o socialismo é menos claro, porque é definido com menos precisão. Mas o conceito socialista poderia ser definido claramente depois de mais de um século de controvérsias entre os socialismos mais diversos e opostos? Talvez essa pluralidade seja o seu trunfo. O socialismo não é nem socialização, nem o proletariado no poder, nem a igualdade material. Em seu aspecto essencial, é a realização progressiva da ideia de liberdade e justiça entre os homens, ideia inata no fundo de toda pessoa. Portanto é um ideal, um fim, embora um ideal-limite, e portanto um fim apenas possível. Como ideal, indica a tendência na direção de uma meta. Sendo possível, essa meta não é necessária. Isto é, não está determinada, objetiva e fatalmente, como se pretende a filosofia determinista que se reduz o Marxismo, mas também não é algo impossível ou um mito irracional para sonhadores ociosos de cidades celestiais. O que consiste esse ideal é o esforço progressivo visando assegurar a todas as pessoas a igual possibilidade de viver uma vida digna, livrando-os da escravidão da matéria e das necessidades materiais que ainda hoje dominam a maioria dessas pessoas. Ou, ainda na possibilidade de poder desenvolverem livremente as suas personalidades, numa luta constante de aperfeiçoamento individual e coletivo contra os instintos primitivos e bestiais, e também contra as corrupções de uma civilização presa e inerente apenas aos demônios do êxito e do dinheiro para a sua realização humana.
A violência só é justificável como resposta à violência. Deriva-se daí a condenação dos extremistas revolucionários, cuja idealização da violência é geralmente uma memória livresca, e do marxismo do século XIX que, depois de cantar a revolução, tendo como único resultado uma reação dos adversários ameaçados de extermínio, se limitou a construir barricadas com cartazes e ordens do dia. A advertência grave viria da Rússia, onde a ditadura, condenada até por Trotski no exílio, demonstrou o imenso valor histórico que as instituições democráticas possuem.
E foi assim também que se verificou no início do movimento fascista, seus primeiros núcleos não se moviam por exclusivo interesse ou sugestão de classe, e não eram integrados só por burgueses: eram grupos marginais, alucinados, idealistas — até mesmo criminosos — possuídos por um delírio patrioteiro e romântico. Só mais tarde esses núcleos se tornaram instrumentos da reação agrário-plutocrática. Essa paixão, boa ou má que despertou e alimentou o ânimo do choque ideológico e o espírito de luta e sacrifício, criando uma força explosiva no movimento fascista, enquanto nos dirigentes socialistas prevalecia a mera capacidade crítica.
Portanto dito isso, teoricamente, a relação entre o liberalismo e o socialismo pode ser colocada nos seguintes termos, o liberalismo é sobretudo um método, e o socialismo é sobretudo um ideal. O nexo entre os dois consiste no fato de que só assim é possível alcançar esse ideal em conjunto. Essa relação entre socialismo e liberalismo pode ser configurada como vínculo entre a teoria e prática. O liberalismo é a teoria, a ‘força ideal inspiradora’; o socialismo, personalizado pelo movimento operário, pelo proletariado aliado às vezes com a ala mais avançada da burguesia, é a práxis, a força realizadora.
Aos ouvidos de muitos, a fórmula ‘socialismo liberal’ soa como nota desafinada, visto que na terminologia política corrente, a palavra liberalismo tem servido para contrabandear mercadorias de natureza muito diversa, e já denota de tal modo a posição burguesa que muitos socialistas tem a dificuldade de utilizá-la, o socialismo em última análise, é a filosofia da liberdade.
Na sua expressão mais simples, o liberalismo pode ser definido como a teoria política que, partindo do pressuposto da liberdade do espírito humano, vê na liberdade o fim supremo, o supremo meio, a regra máxima da convivência humana. É um fim, pois se propõe a realizar um regime de vida coletiva que garanta a todos os homens a possibilidade de desenvolver plenamente a sua personalidade. É um meio pois considera que essa liberdade não pode ser ampliada, ou imposta, mas deve ser conquistada com um intenso trabalho pessoal, no fluxo perpétuo das gerações. A liberdade é concebida não como um dado natural, mas como algo que se transforma em desenvolvimento, Não se nasce livre, é preciso tornar-se livre. E só nos mantemos livres guardando de forma ativa e vigilante a consciência da própria autonomia e exercitando constantemente a nossa liberdade.
O socialismo não é nada mais do que o desdobramento lógico do princípio de liberdade, levado à suas consequências extremas, pelos resultados; o socialismo liberalismo é a emancipação do proletariado a liberdade que se apresenta aos pobres, pois a liberdade desacompanhada de um mínimo de independência econômica e da emancipação das necessidades essenciais para o indivíduo é apenas um projeto fantasma fadado ao fracasso libertário. É em nome da liberdade, para assegurar uma efetiva posição desta à todos as pessoas, e não apenas a uma minoria privilegiada — que os socialistas reclamam os fins dos privilégios burgueses e a extensão efetiva, a universalização das liberdades burguesas; é em nome da liberdade que exigem uma distribuição mais equitativas das riquezas e a garantia de todos de uma vida digna. Entre uma liberdade média estendida a âmbito universal, e uma liberdade ilimitada garantida a uns poucos, em prejuízo de muitos, é cem vezes melhor uma liberdade média. A ética, a economia e o direito concordam nessa conclusão.
O liberalismo no prisma atual burguesa procura deter o seu próprio processo histórico. A burguesia triunfou conquistando todas as posições dominantes, e justamente esse triunfo que marca o acaso da sua função revolucionária, de fermento do progresso. Mas esta outrora, que já foi a precursora e depositária da ideia da função liberal na luta contra o dogmatismo da igreja, do absolutismo dos reis, contra os privilégios dos nobres e do clero e do pensamento feudal. Hoje apenas busca eternizar o seu domínio, transformar em privilégio o que já foi um direito, uma obra incontestável de inovação. Mas que agora opõe-se ao ingresso de novas forças sociais no palco da história. Só algumas frações da burguesia continuam a exercer uma função útil — quase indispensável — no sentido progressista, aquelas que, independentemente do privilégio de berço, realizam novos valores da esfera da inteligência pura e do trabalho de direção: intelectuais, cientistas, a parte mais sadia e ativa da burguesia industrial e agrária, essas figuras formidáveis do mundo moderno que são os empreendedores, os grandes capitães da indústria, os líderes da economia. Aqueles que, em qualquer regime econômico, exercem o papel de coordenar os vários fatores produtivos e manter o ritmo do progresso econômico.
Portanto o socialista liberal não se ilude pensando possuir o segredo do futuro, não se vê como depositário da verdade última, definitiva em matéria social. Não se inclina diante de qualquer espécie de dogma. Não acredita que o regime socialista se afirmará nos séculos por uma lei transcendente à vontade dos homens. Na verdade, numa consideração fria, pode até mesmo admitir a hipótese de que as forças do privilégio, da injustiça, da opressão do grande número em benefício de uns poucos possam continuarão a prevalecer. Por fim o seu lema é: o regime socialista se realizará, mas não poderia realizar-se. Realizar-se-á se nós o quisermos, se as massas quiserem, mediante um esforço criador consciente.
Querer o socialismo sem a democracia é pretender uma contradição: o socialismo significa homens livres, não servos; consciência, não número, produtores, não produtos. Socialismo sem democracia leva fatalmente à ditadura, isto é, a servos, números, produtos: a negação dos fins do socialismo. Enquanto defensor dinâmico da classe mais numerosa, miserável, oprimida, o socialismo é herdeiro do liberalismo. O socialismo não se decreta, implantando-se do alto, mas é construído todos os dias, de baixo para cima, nas consciências, nos sindicatos, na cultura, ele precisa de poucas ideias, claras, de gente nova e na dedicação de problemas concretos. É absurdo impor a um movimento de massa tão gigantesco uma única filosofia, um único esquema conceitual, uma só divisa intelectual. O social liberalismo antes de tudo deve ser exercitado internamente.